FOTOGRAFIA
ENTREVISTA RAFAEL VILELA (PIRA)
o Crédito é de Todos
O fotógrafo ativista, Rafael Vilela que registra a realidade do Brasil e do mundo, diz que ir à rua é apenas um dos meios para influenciar uma mudança política e atribui o sucesso do seu trabalho ao coletivo
Por Mariana Domin e Leonardo Neves
O midiativista do Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação (Mídia NINJA), Rafael Vilela, foi um dos personagens presentes nas manifestações que tomaram conta das ruas do Brasil em junho de 2013. Com sua câmera na mão e olhar atento para a imagem perfeita, Rafael se tornou um dos principais fotógrafos que cobriu o evento do começo ao fim.De modo horizontal, proveu imagens retratando o ápice da realidade, divulgadas pelo Mídia NINJA. O currículo do fotógrafo vai além, Rafael fez a cobertura dos conflitos políticos no Egito na queda de Mohammed Morsi, a qual ele considera sua experiência de maior tensão e, o medo, sobreveio nos conflitos de terras entre os índios kaiowa, no Mato Grosso do Sul, onde presenciou até tentativa de homicídio.
Desde 2011, Rafael faz parte do circuito Fora do Eixo (FdE ) considerado um dos maiores eventos culturais independentes do Brasil e da América Latina.Por este motivo,escolheu uma nova alternativa de vida e reside em uma casa coletiva em São Paulo, onde moram 30 pessoas em um meio propositivo e em busca de uma vida aquém.sem consumismo ou egocêntrismos. Tudo é coletivizado e visa o grupo como um todo, inclusive todo o seu material fotográfico, que ele frisa ser uma construção de todos do grupo. Em entrevista concedida ao POPI, Rafael conta sobre suas experiências no campo da fotografia, suas inspirações, o processo de adaptação em sair da casa dos pais para viver em coletivo e sua visão sobre a opinião pública.
Rafael Vilela Silva, o Pira,criador e fotojornalista do coletivo mídia NINJA,fotografou um dos maiores movimentos sígnicos do Brasil sendo a única equipe de reportagem que cobriu do início ao fim as manifestações de junho de 2013 — bem como o seu caos — experiencia vivida de modo horizontal pelas ruas e esplanadas do nosso país. (FOTO LAÍS MARTINS/PORTAL POPI)
POPI - A vida em coletivo é a fórmula da juventude’’. Qual é a importância dessa frase na sua vida?
RAFAEL VILELA - É uma frase muito importante, não só para quem vive nesse processo de vida coletiva, mas também pra quem não entende muito bem o que isso significa. A idéia de que a vida coletiva te permite viver em contatos com valores que você não teria no mundo lá fora, faz com que a gente fique nessa busca permanente por um processo de transformação não só do mundo, mas nosso também. Como a vida é coletiva, ela é um valor comum. Nesse espaço nós saímos de um paradigma de uma construção social onde estamos pautados enquanto filhos da classe média que saem da escola, prestam vestibulares, se formam, casam, têm filhos, emprego, ganham dinheiro, tem uma carreira e acabam com 70 anos em uma casa com piscina. Esse é o molde que esta colocado para nós. Quando falamos que a vida coletiva é a fórmula da juventude é porque quebramos essa busca, não estamos mais em busca de dinheiro para conseguir financiar esse tipo de valor social, esse tipo de busca imposta pela sociedade. Buscamos outras coisas, a própria idéia de estar envolvido com ativismo e de estar em um processo de transformação social para além da busca de carreira, emprego e dinheiro, isso é um dos principais fatores que fazem com que a gente entenda essa idéia de que a vida coletiva nos mantém mais jovens, não nos aprisiona nesses valores.
POPI - Como foi esse processo desde a sua vinda para o ‘’fora do eixo’’, o começo do mídia NINJA até os dias atuais?
RAFAEL VILELA A casa ‘’fora do eixo São Paulo’’ é estruturada em 2011, para cá vem pessoas do coletivo do Brasil inteiro para formar o que seria naquela época a primeira casa ‘’fora do eixo’’, onde reunimos as principais tecnologias da rede, de vida coletiva, produção e comunicação. Então mudamos para cá, e já vínhamos com uma lógica de diversidade muito grande, pessoas do Norte, Sul e centro-oeste com praticas muito diferentes, mas muito complementares. Aqui se formaliza uma das principais tecnologias que é o tal do caixa coletivo, a idéia de que todos estão em um mesmo lugar e que o dinheiro serve para financiar as necessidades individuais e coletivas desse grupo, com objetivos muito claros. Eu faço parte da segunda geração do fora do eixo, eu mudei para cá no final de 2011, e já havia gente que estava construindo esse processo desde 2004. Minha entrada no ‘’rede’’ começa em 2009 e em 2011 eu mudo para cá. De lá para cá foi todo um processo de adaptação, com a própria fundação do mídia NINJA nesse processo todo. E justamente essa casa por ser estruturada em uma cidade como São Paulo ela atrai um olhar muito forte dos jornalistas, para tentar entender o que é essa vida coletiva, o que é esse circuito cultural, quem são essas bandas que estão circulando pelo Brasil. E essa aproximação com os jornalistas, que em um primeiro momento vem enquanto pauta, de nos sermos pautados enquanto uma matéria ou um tema interessante nas revistas, isso passa organicamente a ser uma relação de amizade e de proximidade.
POPI - Quais são suas experiências mais marcantes nestes 5 anos de fora do eixo?
RAFAEL VILELA Uma das experiências mais intensas foi o ``Existe amor em SP``, um festival que realizamos em 2012, aqui nas ruas de São Paulo, que foi uma experiência muito intensa. Eram menos de duas semanas para as eleições municipais, um festival com 30 mil pessoas, organizado só por nós, por vários coletivos, sem 1 real, sem um segurança e sem nenhum problema. Foi um momento muito importante, tanto de vermos a força que tínhamos, quanto também uma prova desse trabalho que vinha desde 2011 em São Paulo, o que é possível em uma capital como essa, e de como as pessoas aqui estão buscando uma cidade cinza e fria, falando das pessoas e como as relações são constituídas aqui, de que a pauta do amor consegue falar e dialogar com um grande número de pessoas.
POPI- Qual a situação que você teve mais medo?
RAFAEL VILELA Medo, eu tenho duas situações, uma delas foi cobrindo a situação dos Guarani Kaiowa, no Mato Grosso do Sul que ficamos circulando umas 10 aldeias e todas em conflito por relações turbulentas entre fazendeiros e indígenas sobre terras ocupadas. Lá vimos de tudo, de tentativa de homicídio na nossa frente a pistoleiros em motos com escopeta na mão. Mas o medo ali era mais pelos indígenas do que por nós. A outra situação foi a queda do Mohamed Morsi, em julho de 2013, que foi uma experiência muito marcante também, de estar no Egito em um momento politicamente muito bagunçado, sem falar árabe, no meio da rua, e tomando revista de civis. Mas acho que faz parte essa idéia do medo, é muito mais como você lida com ele do que você sente.
Você se sente seguro? Houve algum momento em que você foi ameaçado de forma direta?
RAFAEL VILELA - No Rio de Janeiro presenciamos bastante isso no fim dos protestos a relação com a policia e as milícias, teve ali coisas bem sinistras de policiais infiltrados na união, pessoas indo no apartamento do fora do eixo, depois descobrimos que eles tinham relações com a polícia, mas ameaças diretas não. Me sinto totalmente seguro, tanto por estar aqui quanto pelo que nos construímos, lidamos com a questão da segurança em cima da visibilidade, ao invés de criptografarmos tudo, não ficar falando muito como forma de se esconder pra se preservar, nós jogamos ao contrário, a gente se expõe muito e fala, é o que a gente chama de conspirações públicas, colocamos de forma aberta o que pensamos e conspiramos, e ganhamos visibilidade com isso que se torna nossa maior proteção.
Você concorda com a frase ‘’Estar nas ruas não é uma questão negociável, mas de princípios’’?
RAFAEL VILELA - As ruas são fundamentais no processo político, não é a totalidade desse processo, tivemos um momento de rua muito forte em 2013, e esse momento parou agora. A rua não é a única condição de fazer política ou incidência, á varias formas de fazer isso. A rua é uma panela de pressão fundamental para podermos pautar debate, imaginário do país e um monte de coisa. Concordo que a saída a rua não se negocia, mas ela deve ser utilizada de forma estratégica para fazer pressão e alterar de forma efetiva a leis e regras. Não adianta fazermos rua sem conseguir mexer no sistema, isso seria brincar de ativismo, o que é pouco eficiente. Se a gente não consegue fazer com que os gritos das ruas de junho de 2013 se tornem discursos eleitorais, a gente perde muito a potencia. Se a gente não faz com que aquelas pautas que foram gestadas nas ruas consigam pautas nas eleições, eu acho que é um desperdício muito grande.
Qual é sua inspiração na fotografia e qual é sua importância?
RAFAEL VILELA - em relação a fotografia, pessoalmente em tenho uma direção muito grande pelos foto jornalistas históricos Robert Capa e Cartier Bresson, que são referencias interessantes, mas a fotografia brasileira talvez seja a minha maior inspiração, principalmente Miguel do Rio Branco e Sebastião Salgado, que são referencias bem opostas em termos de linguagens, mas que são muito complementares no sentido de estarem relacionados a questões sociais, de terem um trabalho que não é só de denuncia mas é também de beleza, do Brasil profundo que a gente entende que é esse território mais amplo do nosso país. Acho que eles também são referencias na fotografia mundial, o trabalho dos dois sempre me influenciou e foi muito marcante pra mim. A fotografia pra mim é uma ferramenta fundamental e talvez uma desculpa muito útil para chegar até os temas, as pessoas, os debates, os lugares onde eu gosto de estar, e eu acho que a gente tem sempre como objetivo isso. As vezes a fotografia ela é muito mais uma forma de chegar nas coisas do que necessariamente é um objetivo final. Seja estar em um encontro latino-americano ou norte-americano, como o Eco, onde 20 coletivos estavam somando conteúdo, seja ser convidado pela Magnum para fotografar a copa do mundo no Brasil, são coisas que a gente foi conquistando, com a fotografia da mídia NINJA e do fora do eixo e que são resultados de uma trajetória, um esforço e de toda essa historia dos festivais, dessa cola que é isso que a gente faz.
POPI - Qual sua visão sobre opinião pública?
RAFAEL VILELA - Eu não me preocupo muito na hora de estar fotografando nessa idéia mais ampla de opinião pública generalizada, acho que trabalhamos para mostrar o que estamos vivenciando, e o trabalho reflete o que a gente acredita e o que a gente vive, mais do que uma intencionalidade de mudar, a gente não quer fazer fotografia ali com uma cabeça de um marqueteiro de campanha, fazemos fotografia como alguém que esta vivenciando um processo real, que esta tentando compartilhar aquilo com mais pessoas, então acho que a opinião publica é um campo pequeno nessa hora de estar ali na hora. Acho interessante a reação e repercussão de um trabalho fotográfico ou jornalístico, e ver como isso é possível transformar a partir da consciência um número muito grande de pessoas. Isso é extremamente estimulante. E ao processo do fora do eixo, a crítica e os amores fazem parte. A gente se coloca na posição de estar na frente de um processo muito avançado e radical de transformação e isso sempre vai gerar uma reação reativa da parte mais conservadora da sociedade que esta ligada aos grandes veículos, e que criminalizaram em grande parte o movimento a partir do ano passado com a grande repercussão que a gente ganhou. Isso é uma conseqüência. Acho que quem vem, olha no olho, conhece uma casa que nem essa, como que a gente faz, sabe que o que esta sendo dito é uma grande especulação para desmoralizar o movimento como o nosso do que qualquer outra coisa. Então tranqüilidade total em relação a isso, não tem nenhum problema de falar sobre qualquer coisa e ser perguntado sobre qualquer coisa.
As manifestações de junho de 2013 já não são mais expressivas. Logo quais são os pontos e os temas que a mídia NINJA pretende tratar agora e o que vocês propõem hoje ao leitor?
RAFAEL VILELA - Os temas permanecem parecidos, a ausência das manifestações faz com que a gente tenha que se aprofundar nos temas. O que antes era mais fácil, mais simples, como ir pra rua e mostrar uma manifestação, agora temos um esforço maior de aprofundar, de irmos aos territórios e entender as pautas melhor, a própria existência do portal ajuda muito nisso, ele é uma ferramenta de aprofundamento, ele faz com que a gente consiga chegar mais longe em uns temas, isso são coisas que para n;os são muito importantes nesse sentido, a gente conseguir dar um passo ou dois, a copa do mundo trouxe muito forte isso, mas já é uma busca de antes, agora evoluiu com documentários. Nós estamos indo agora para a Amazônia, para uma expedição com os ‘’yononames ‘’, vamos ficar quase um mês no meio do mato, e é uma ‘’parada’’ totalmente diferente do simples registro do protesto, passa por outro caminho, uma outra lógica. E isso pra nós é um desafio muito legal, o texto pra nós sempre foi um desafio bacana. A gente vem de uma rede de comunicação que estava dentro de um circuito de cultura, então a gente nasce muito forte na questão, principalmente, na fotografia, do áudio visual e das redes sociais, e avançar nos textos na redação, tem sido um dos principais desafios de agregar pessoas, a aprender a escrever muito mais, a aprofundar os debates em cima dos textos, acho que isso é um caminho muito sólido pra seguir.
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A fotografia como um instrumento de arte política, engajada e informativa
O olhar engajado e a fotografia contemporânea como montante da realidade brasileira e o olhar sob suas dimensões políticas e culturais,fazem de Rafael Vilela um dos mais promissores fotógrafos da atualidade.
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"Pira" revela as situações que mais teve medo
No período da entrevista a Casa Fora do Eixo preparava-se para receber mais mídiativistas de diferentes estados do Brasil. Sob o viés sustentável,este espaço foi totalmente construído através de resíduos orgânicos e mobília em "pallets"
Assista a expêriencia mais marcante para Rafael Vilela que há 5 anos faz parte do Coletivo Fora do Eixo (FdE) considerado o maior festival integrado da América Latina.
Habitat de trabalho Casa Fora do Eixo São Paulo - Rafael Vilela nos mostra a matriz da Mídia Ninja
O CRÉDITO É DE TODOS: A política do FdE é da isenção de qualquer assinatura em suas imagens.E traz à tona a ideia de democratização e livre acesso à informação