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ALEMANHA

Por Murilo Izidoro

 

Bremen, 30 de Novembro de 2014

 

 

Nunca pensei na ideia de atuar como um correspondente internacional, ainda mais quando ouço a palavra só consigo lembrar dos momentos em que o correspondente aparece no meio de alguma cena de guerra apocalíptica, como a guerra no oriente médio. Não sei se é paranoia minha, mas tenho sempre a impressão de que a mídia tupiniquim tende à tragédia. Quanto ao Brasil, coitado, só não afundou porque o brasileiro não desiste nunca mesmo. As instituições são regidas pelo caos dos constantes escândalos, a cada dia surgem novos vazamentos sobre a investigação atual da PF, que só fazem inflar o ódio ao governo e a tudo que carregue o nome partido dos trabalhadores e afastam o povo do debate político.  

Percebi essa grande diferença no foco e na importância que se dão a certos fatos quando vim para a Alemanha fazer um intercâmbio. Gosto bastante de dar uma lida nos jornais tanto do Brasil quanto os da Alemanha não só pra descontrair e se manter de alguma forma ligado ao mundo fora da bolha universitária, mas também como forma de comparação. O aspecto mais interessante dessa comparação fica bem explícito se pego por exemplo as maiores revistas de variedades como a Veja (não faço a menor questão de ler, já deixo aqui claro), a Spiegel (Espelho em alemão) e também a Zeit (tempo), bem como os jornais como a Folha e o Frankfurter Allgemeine Zeitung (algo como Jornal Geral de Frankfurt).

Assuntos nacionais curiosamente não são tão frequentemente assim lançados nas manchetes das revistas e jornais alemães, o que às vezes me dá a impressão de que não acontece nada nos bastidores. As questões ultimamente mais abordadas no que se referem a esfera interna são principalmente as dificuldades do congresso em tomar decisões que satisfaçam os diferentes grupos que compõem a tal chamada Rot-Schwarz Koalition (Coalisão Vermelha e Preta), visto que o partido da atual chanceler Angela Merkel, a União Democrática Cristã/União Social Cristã  (CDU/CSU), não atingiu a maioria no parlamento e foi obrigado a compor uma coalisão com o  Partido Socialdemocrático Alemão (SPD). Entre os pontos mais conflitantes estão a política externa, bem como a divisão de gastos entre os ministérios e um  fortalecimento do ministério da defesa, envolvendo a compra de armas e equipamentos.

Assuntos externos têm mesmo uma importância muito grande por aqui, provavelmente devido a posição de liderança que a Alemanha tem na união europeia e os impactos na economia e nos fluxos de pessoas que essa posição de destaque traz, o que gera claramente reflexos na sociedade. Um ponto muito comentado ultimamente por aqui é o surgimento do estado islâmico do Iraque e Síria que tem preocupado a numerosa comunidade turca que vive na Alemanha pela violência dos conflitos na região próxima a Turquia e também devido ao grande número de refugiados, dos quais uma grande parte escolhe a Alemanha como destino. Há poucos dias vi na TV uma reportagem sobre a criação de escolas e de programas pra atender os jovens que fogem das guerras e que precisam ser integrados na sociedade, não só culturalmente como profissionalmente também. Os conflitos na Ucrânia tem chamado atenção também, envolvendo  de um lado os interesses e decisões polêmicas do presidente da Rússia Vladmir Putin, que ainda tem sob o seu controle um grande arsenal nuclear, a dependência do gás e do combustível russos e tentativa dos lados europeu e russo de alinhar a Ucrânia aos seus respectivos grupos.

Logicamente, nem tudo nas revistas e jornais é política e economia. Os esportes, principalmente o futebol, têm uma grande carga cultural, não só porque a Alemanha é a atual campeã do mundo (Sofri amargamente com os 7:1 e de vez em quando, se menciono que sou brasileiro algum alemão põe o assunto na mesa), mas o futebol é por aqui realmente sagrado, ao ponto de várias baladas e bares terem mesas de pebolim, por exemplo. Quase tudo que se fala sobre futebol tem a ver com o time sensação do momento, o FC Bayern München. Atualmente moro em Bremen, no norte da Alemanha e o time da cidade, o Werder Bremen, que pode até ser conhecido para alguns brasileiros, ultimamente tem sido motivo de decepção para os locais e está em último lugar na tabela da Bundesliga, o campeonato alemão.

Em relação a minha vida por aqui nesses 10 meses que se passaram, digo que ainda me fascina muito a diferente relação que os alemães têm com o tempo, não só em relação à famosa pontualidade, mas também o respeito que se dá ao tempo necessário para realizar as tarefas diárias ou os deveres no trabalho. Planejamento pra tudo é um aspecto muito importante na vida do alemão, o que os diferencia da nossa tendência à flexibilidade. Uma coisa que me impressiona muito também é a organização do espaço urbano. Tudo parece estar no lugar correto, sem excesso de prédios altos, ciclovias pra todos os lados, as cidades são arborizadas, o transporte público é conectado e eficiente. Nós estamos realmente bem atrasados nesse aspecto.

Vou sentir falta de muitas coisas quando eu voltar, da cerveja boa e barata, dos pães de todos os tipos, principalmente os integrais (vou levar quilos de massa pro Brasil!), dos cogumelos, da variedade imensa de produtos de todos os lugares possíveis no mercado, queijos dos mais variados tipos... Até aqui se percebe o quanto eu gosto de comer. Não menos importante que isso, vou sentir falta de todos os amigos que eu fiz por aqui, que superaram todas as minhas expectativas e considero pessoas muito fiéis aos laços de amizade que fazem, compreensíveis e curiosos em aprender coisas sobre o nosso Brasilzão. Enfim, acho que sentirei falta de muitas coisas a ponto de querer voltar pra ficar, mesmo com tudo de bom que o nosso país tem.

Auf Wiedersehen! (Até mais!)

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